Casa do interior, com imagens de santo dependuradas com fitas e flores, nas paredes. Fotos do tempo que ainda se pintavam as fotos. Tudo a essa hora tem um ar sinistro. Mesmo ligando a luz, que ainda é das incandescentes, a luz amarelenta e pastosa que cobre tudo deixa ainda menos confortante o cenário.
O cenário do tempo.
O tempo que engole os rebocos na parede do altar dos santinhos, com a vela-de-sete-dias e seu fogo tão ínfimo e agora tão colossal no betume. Sinto sufocamento na gaiola do mosquiteiro, e minha bexiga para estourar me obrigam a rastejar até o banheiro, oh céus... Nessa hora invejo o penico de vó. Dou um risinho curto que acaba assim que saio do mosquiteiro e boto os pés no chão, de pé, de frente ao vão do quarto, escuro como a falta de esperanças, tento não temer mas é tarde demais, seguro o celular com força, maldição como pude esquecer o carregador? Acender a tela agora e ter um flash dos móveis aparentemente mortos me deixaria ainda mais assustado... Imagina se enxergasse alguma visagem?
Dou um gole a seco e lembro de ter lido o termo na noite anterior, nalgum conto de Poe ou Lovecraft, era sobre uma coisa no escuro... Melhor não lembrar dos detalhes. Não há de ser imbecil, o que posso temer na realidade é algum ladrão ou bicho peçonhento...
Um barulho estranho interrompe os pensamentos.
Alguém querendo invadir essas casas isoladas de sítio? Um rato? Um bicho medonho?
Sente uma pontada na bexiga - não tem como voltar pra cama sem mijar.
Anda com pés de pluma e ouvidos de interfone, ouve ainda bem distante e pouco nítido, será nas telhas?, um pássaro noturno trazendo mau agouro? um galho de árvore? uma alma-coisa-feia?
Entra no banheiro abraçado com a porta, sem ousar acender a luz, tem um susto quando o primeiro jato acerta a água, mas aguenta firme a ansiedade do barulho fazendo ecos na casa toda.
Termina e a volta é tão rápida que nem percebe. Finalmente enrolado no lençol liga a tela novamente, são 19:42.
Nem o medo que sentiu a noite toda dos barulhos do sítio em noites de inverno, nem o sono mal dormido e mal acordado, nada o prepararia para encontrar sua vó morta pela manhã.
Não eram anfíbios nem aves noturnas nem vento nos galhos nem criminosos ou monstros sobrenaturais.
Era a matriarca gemendo a vida embora, a noite toda.